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OPINIÃO: Que brutal saudade da ferrovia da minha infância!

Nas cercanias do Colégio Estadual Manoel Ribas funcionava a monumental Cooperativa dos Ferroviários da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, com dezenas de prédios dedicados a múltiplos fins. Um grande prédio servia de sede burocrática. Outro, de armazém de "secos e molhados", expressão em voga à época. Ali, existia qualquer tipo de alimento imaginável para comprar.

Anexo a este grande armazém havia loja de roupas e tecidos, alfaiataria, relojoaria, carvoaria, fábrica de sabão, padaria, lenheira, farmácia.Ao lado do prédio do Maneco funcionava um gigantesco açougue, prédio em ruínas ainda hoje existente. Em frente a este prédio, no passado, formava-se longa fila desde a madrugada, principalmente de meninos que, munidos com seus "ganchos" (estruturas de ferro em forma de letra jota) esperavam para levar a carne para casa. Não se usava dinheiro, pois a cooperativa fornecia, no início de cada mês, uma série de "vales", fichas de papelão azul que correspondiam a um certo valor em dinheiro, de acordo com o ordenado do ferroviário. Os meninos entregavam aqueles "vales" para o açougueiro (eram mais de 10 açougueiros atendendo simultaneamente), em troca dos "pesos" solicitados. Chamava-se de "peso" ao tipo de carne solicitada, isto é, filé, costela minga, coxão de fora, coxão de dentro, etc... Tinha de haver cuidados no transporte daquele gancho com carne até a casa. Os cachorros iam atrás, pulando, para roubar a carne. Muito guri tomou surras homéricas por ter deixado o gancho com carne no chão enquanto jogava bolita (bola de gude). E a cachorrada levava a carne do penitente. Ou a carne era roubada por outros guris!

Às vezes, mentiam que não tinha chegado a carne. E trocavam os "vales" por outro tipo de compra nos bares e lojas da cidade. Os "vales" tinham inteira credibilidade na comunidade santa-mariense e circulavam livremente no comércio, como se dinheiro fosse. Aliás, os próprios adultos - quando ficavam com pouco dinheiro no fim do mês e tinham "vales" sobrando - trocavam por dinheiro, numa transação chamada popularmente de "touro". Era comum o ferroviário dizer: "Me apertei de dinheiro, vou ter de fazer um touro." Não consegui descobrir até hoje o porquê do uso da expressão "touro". 

Os sapatos todos que usei, até a idade de 15 anos ou 16 anos, foram presentes dos meus avós maternos, vó Olina e vô Fredolino. Sapatos comprados na sapataria da Cooperativa dos Ferroviários. O primeiro relógio que ganhei na vida, de enorme mostrador e pulseira de couro brilhante, foi comprado na relojoaria da Cooperativa: era um típico "cebolão"! Na época, chamava-se "cebolão" ao relógio que possuía mostrador muito grande.

A ferrovia, a cooperativa e o Maneco marcaram para sempre minha vida. E creio que a vida de milhares de conterrâneos. Por isso, quando vejo o prédio da Associação dos Ferroviários, clube social onde muito dancei e assisti partidas de bolão, virado numa tapera e os prédios abandonados da outrora pujante cooperativa abandonados, meu coração se aperta.

E tenho de me controlar para não chorar em plena via pública.

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